14 de novembro de 2005

REPORTAGEM VEJINHA DESTA SEMANA - E AGORA, SCARINGELLA?

Crítico das gestões anteriores, o
presidente da CET traça seus planos
contra os congestionamentos
Rodrigo Brancatelli



Um estagiário da recém-inaugurada Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) ficava postado no topo de um dos prédios mais altos da Avenida Paulista. Munido apenas de um binóculo e de um aparelho de rádio que funcionava precariamente, observava o vaivém dos carros lá embaixo. Tentava assim relatar à central os problemas na via. Em 1976, quando os congestionamentos já atormentavam a vida dos paulistanos, o engenheiro Roberto Scaringella, presidente e fundador da CET, enfrentava a maioria dos transtornos no tráfego com meia dúzia de funcionários, talões de multa e rádios de segunda mão. Novamente à frente da empresa, com seu bigodão mais grisalho, ele capitaneia agora cerca de 2.000 agentes e um orçamento anual de mais de 300 milhões de reais. Apesar do aparato maior, afirma que sua tarefa atual é muito mais árdua. E que o trânsito de São Paulo chegou ao limite da tolerância. "Administramos um bem público escasso, o espaço", diz. "É impossível fugir das leis da física. Não há engenheiro que consiga colocar dois automóveis numa mesma vaga."

São Paulo tem uma frota estimada de 5 milhões de veículos. Destes, 3,5 milhões circulam diariamente pelos mais de 14.000 quilômetros de ruas da cidade – distância suficiente para ir três vezes de Porto Alegre a Fortaleza. O resultado prático é bem conhecido: em horários de pico, a velocidade média dos automóveis não passa de 27 quilômetros por hora. Para tentar diminuir as conseqüências desse caos, Scaringella assumiu a CET pela terceira vez no começo deste ano prometendo medidas duras e um "choque de fiscalização". Os resultados ainda não apareceram. Nos dez primeiros meses do ano, o índice médio de congestionamentos foi o pior já registrado na capital desde 2000.

Scaringella, 65 anos, é velho de guerra em matéria de engarrafamentos. No setor desde 1968, foi assessor especial em transporte urbano no Ministério dos Transportes, diretor da Companhia do Metropolitano, diretor do Departamento de Operação do Sistema Viário (DSV) e secretário municipal de Transportes. Nos últimos anos, comandou de sua casa, em Santa Cecília, uma empresa de consultoria sobre tráfego. Trocou-a mais uma vez pela CET, que começou 2005 mergulhada em uma das piores crises de sua história. Com a desativação do Comando de Policiamento de Trânsito, por exemplo, não há quem tire das ruas os carros velhos e irregulares. O serviço de remoção de veículos estacionados em locais proibidos foi abandonado, os postos de medição de congestionamentos foram reduzidos de 45 para 34 e a manutenção dos semáforos inteligentes simplesmente desapareceu. Isso sem falar nas 200 viaturas paradas por falta de peças.

"Peguei a companhia sucateada", afirma. "Tivemos melhorias neste ano, mas passamos da indigência para a pobreza." Na luta contra os problemas do trânsito de São Paulo, o engenheiro deixou de lado alguns de seus cavalos de batalha. Defensor ferrenho do pedágio urbano – para circularem na região central, os motoristas teriam de pagar uma taxa, como é feito em metrópoles como Londres –, ele afirma que "a idéia não está nos planos da prefeitura". Na verdade, o prefeito José Serra, quando o convidou para o cargo, deixou claro que não pretendia adotar a medida. Mas outras propostas estão aos poucos sendo colocadas em prática. Veja a seguir dez planos de Scaringella para tentar dar pelo menos algum desafogo ao infernal tráfego de São Paulo.



Dez idéias para o caos


Sistema de leitura automática de placas: 4,5 milhões de reais para os cofres da prefeitura


1) Olha o passarinho!

Desde o fim de agosto, os marronzinhos não precisam mais ficar sob sol ou chuva multando os motoristas que desrespeitam as regras do rodízio municipal. Agora, o trabalho está a cargo de 22 radares dotados do sistema inteligente de leitura automática de placas (LAP). Em meio segundo, essas câmeras são capazes de flagrar os infratores e enviar a multa a uma central da CET. Resultado: enquanto os 2.000 agentes da companhia anotavam menos de 45.000 placas por mês, os 22 novos equipamentos multaram 53.000 vezes em setembro. Quem é pego, além de perder 4 pontos na carteira, tem de pagar 85,13 reais – o que significa que cada radar rendeu 205.000 reais aos cofres da prefeitura. É bom que os infratores abram o olho. A CET encomendou mais 22 câmeras para este ano e estuda a compra de outras 147 até o fim da gestão.



2) Lombadas e floreiras

Um pacote de medidas criado na Inglaterra há cerca de dez anos, batizado de traffic calming, algo como calmante de trânsito numa tradução livre, é a aposta de Scaringella para impedir a invasão de carros e veículos pesados em áreas residenciais. Trata-se da implantação de lombadas para frear a velocidade dos veículos e floreiras para barrar o fluxo de caminhões, além de outras pequenas ações que pretendem proteger algumas comunidades. O primeiro bairro beneficiado deve ser a Vila Paulista, na Zona Sul. A CET também elaborou propostas para as regiões de City Boaçava, Jardim Leonor, Jardim Lusitânia, Mooca e Cidade Tiradentes.



3) Multas com tecnologia


Marronzinho com o novo palmtop: rapidez nas autuações


Radiotransmissores e bloquinhos de papel perderam o emprego. A CET aposentou os velhos radinhos e os trocou por 1.010 modernos palmtops com câmera fotográfica integrada. Adquiridos em agosto, os computadores de mão são capazes de transmitir voz, dados e imagens em tempo real à central de operações da companhia. Segundo Scaringella, os aparelhos agilizam a aplicação de multas e a comunicação entre os agentes. Em outras palavras, fecham o cerco aos infratores e acabam por aumentar a arrecadação. Os resultados já podem ser sentidos nos cofres da CET. De janeiro a agosto, foram emitidas em média 259.000 multas por mês. Em setembro, quando os aparelhinhos estrearam nas ruas, o índice pulou para 371.302. De acordo com a Secretaria Municipal de Transportes, em 2004 foram arrecadados cerca de 328 milhões de reais em multas. Para este ano, a projeção é de 351 milhões de reais.



4) Mudanças nas pistas

Avenida dos Bandeirantes: obras vão custar 100 milhões de reais

Duas das maiores e mais importantes vias de São Paulo devem passar por mudanças importantes nesta gestão. A Avenida 23 de Maio, que liga o centro à Zona Sul, é uma delas. Em seu trecho mais congestionado – entre os viadutos Euclides Figueiredo, nas proximidades do Detran, e Pedroso, na Liberdade – o número de faixas de rolamento aumentou de quatro para cinco. Foi um encolhimento. A largura, que era de 3,50 metros, caiu para 2,65 metros em quatro delas e para 3,20 metros na da direita, por onde passam os ônibus. Segundo Scaringella, o fluxo de veículos aumentou cerca de 15%. Outra avenida a ser transformada é a Bandeirantes, passagem diária de 230.000 carros e 26.000 caminhões. O projeto, que começa no ano que vem, foi dividido em duas etapas. Na primeira, estão previstos a criação de uma faixa adicional (hoje, são quatro), a implantação de faixas exclusivas para caminhões nas pistas da esquerda e o fechamento de dois cruzamentos, um deles com a Rua João Carlos Mallet. A segunda parte da obra, ainda sem início marcado, prevê a construção de viadutos ou passagens subterrâneas para transformar a avenida em via expressa. O custo: 100 milhões de reais (30 milhões apenas na primeira etapa).



5) Caça aos ilegais

Impressionante: 30% da frota de São Paulo está na ilegalidade. Isso significa que quase 1,5 milhão de veículos não pagam multas, licenciamento, IPVA nem seguro obrigatório. São 2 bilhões de reais que deixam de entrar anualmente nos cofres da prefeitura e do estado. O pior de tudo é o risco à segurança. Desde 2002, com a extinção do Comando de Policiamento de Trânsito, os carros velhos e irregulares não enfrentam dificuldades para trafegar. Scaringella promete mudanças rápidas. Falta apenas uma assinatura da Polícia Militar para que os 22 radares inteligentes espalhados pela capital flagrem esses infratores. Com sistema de leitura automática, os equipamentos registram a placa do veículo e enviam a informação instantaneamente a um satélite, que a repassa em cinco segundos para bloqueios montados em locais estratégicos.



6) Semáforos com QI

Colisões, obras de emergência no leito viário, enchentes, árvores que caem na pista, ônibus quebrados... Para a grande maioria dos 5.590 semáforos existentes na cidade, esses e outros tantos incidentes simplesmente não existem. Os equipamentos não conseguem acompanhar as mudanças do trânsito caótico – eles têm somente uma programação para os faróis vermelho, amarelo e verde, que não pode ser alterada nem com acidentes ou chuvas torrenciais. Só 1.110 semáforos são inteligentes, e 90% deles estão quebrados. Para mudar esse cenário serão necessários 150 milhões de reais. O Plano Diretor dos Semáforos prevê a troca de todos os equipamentos por outros de última geração, além da construção de cinco centrais que poderão mudar as suas programações em tempo real. "Se as vias não aumentam de tamanho e a frota não diminui, o único jeito de consertar o problema do trânsito é agregando tecnologia", diz Scaringella.

Faixa recém-pintada na Rua Heitor Penteado: 370 pessoas foram atropeladas na capital só no primeiro semestre


7) Mais sinalização

No primeiro semestre deste ano, 370 pessoas morreram atropeladas na capital. É uma média assombrosa de duas por dia e um acréscimo de 19% em relação ao mesmo período de 2004. Em algumas avenidas, como a Ibirapuera e a Vereador José Diniz, o número chegou a triplicar. Para Scaringella, uma das principais causas é a falta de sinalização. A prefeitura pretende gastar 4 milhões de reais para refazer cerca de 10% dos 3 milhões de metros quadrados de faixas de pedestres, divisão de pistas e demarcação de cruzamentos. Quanto às placas de trânsito, serão necessários 1,25 milhão de reais para limpá-las e outros 7 milhões de reais para instalar novos avisos.



8) Aluguel de cones, faixas e marronzinhos

O prefeito José Serra sancionou no mês passado uma lei que permite à CET cobrar taxas de organizadores de espetáculos privados realizados por aqui. Isso vale para festas, shows, exames vestibulares, corridas de Fórmula 1 e jogos de futebol. Hoje, a companhia é convocada para orientar o trânsito de cerca de 9.500 eventos por ano. Desloca funcionários, providencia sinalização e arca com prejuízos de quebra de cavaletes e roubos de cones. Gasta até 10.000 reais cada vez que é acionada. Ainda não foram definidos os valores que vai cobrar. Eventos sociais, religiosos, político-partidários, passeatas, desfiles cívicos ou sem fins lucrativos não serão afetados.



9) Informações para os motoristas

Nos moldes daqueles letreiros luminosos existentes nas estradas, que avisam a ocorrência de neblina ou orientam os motoristas a usar cinto de segurança, a CET pretende instalar 203 painéis eletrônicos pela cidade. Os equipamentos podem passar informações 24 horas por dia sobre congestionamentos, possíveis enchentes e rotas alternativas. Cada um deles custa 150.000 reais. A previsão é que comecem a ser instalados em dois ou três meses. "Com as informações on-line, o motorista poderá se programar, mudar o trajeto ou até voltar para casa e esperar o trânsito melhorar", diz Scaringella.



10) Adeus aos talões de zona azul

Mais tecnologia à vista. A CET pretende adotar a zona azul eletrônica, com a qual os motoristas poderão adquirir créditos para estacionar nas ruas por meio de celulares ou cartões inteligentes parecidos com os usados em telefones públicos. Os antigos talonários já não dão conta do trabalho. É difícil encontrar postos autorizados para a venda. E há cobrança abusiva dos revendedores ilegais. No começo do ano, todas as fiscais do sistema zona azul deixaram de vender os talões de estacionamento nas vias públicas, por questão de segurança. Em outubro, a CET convocou empresas a apresentar propostas para a implantação da tecnologia. A prefeitura arrecada cerca de 30 milhões de reais por ano com a zona azul, o suficiente para contratar o serviço de 110 guinchos no período ou lavar as 390.000 placas de cidade 26 vezes cada uma.


(Fonte: Site Vejinha, revista da semana de 14/11/05 à 18/11/05)

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