27 de novembro de 2009

UM DIA NA VIDA DO OPERADOR DE TRÂNSITO - GET 1


Nilton Cunha - GET 1


Eles estão entre as figuras mais temidas e odiadas de São Paulo. Com o talão de multas em mãos, tentam fiscalizar as regras em uma cidade cujo trânsito só piora. Nos últimos meses, o trabalho dos marronzinhos aumentou ainda mais. No esforço de diminuir o caos – e de olho nas eleições municipais –, o prefeito Gilberto Kassab anunciou uma série de mudanças: restrições ao tráfego de caminhões pesados, rodízio para caminhões pequenos, fim de faixas de estacionamento em várias ruas, entre outras medidas.

Na última quarta-feira (12/08/09 - quarta-feira), a reportagem do iG acompanhou a jornada de um marronzinho pelas ruas de três bairros da cidade. Diga-se, logo, aliás: eles não gostam de ser chamados pelo apelido que ganham por causa da cor do uniforme que usam. “Somos agentes de trânsito”, diz Nilton Cunha.

Aos 51 anos, há 23 na CET, Nilton é um apaixonado pelo seu trabalho. Foi ele o agente indicado pela empresa para nos guiar pelos meandros da sua profissão. Ele é casado e tem dois filhos: uma moça, estudante de direito, e um rapaz, que trabalha com informática. Mora com a família na Mooca e tem um carro 0 KM, que está acabando de pagar. “Mas só uso no fim de semana”, avisa. Já foi multado uma vez. “Não coloquei Zona Azul”, conta. Ganha R$ 2,1 mil por mês – por uma jornada de segunda à sexta, de seis horas e quarenta minutos, mais dois plantões de fim de semana por mês, de oito horas. Não ganha adicional de periculosidade – uma antiga reivindicação da categoria.



Veja a jornada de um marronzinho pelas ruas de São Paulo:

5h – A cidade ainda dorme quando chegamos à base da CET em frente ao Parque D. Pedro, no centro de São Paulo. O marronzinho Nilton Cunha, 51 anos de idade e 23 de CET, nos recebe. Vamos acompanhar o seu turno, que está começando.

5h05 – A base está cheia. É horário de troca de turno. Marcos Lima, cujo turno começou às 22h40 do dia anterior, está se preparando para ir embora. “Com a Lei Seca ficou melhor. Não tem mais bêbado”.

5h10 – Os agentes dessa base atuam na região central da cidade. Nilton vai trabalhar em Higienópolis, Santa Cecília e Barra Funda, bairros que percorre de motocicleta. Hoje, excepcionalmente, a moto que sempre utiliza está com problemas mecânicos e ele recebe uma outra para o seu turno.

5h15 – Arrumando a moto para partir, Nilton separa o equipamento utilizado caso precise operar um semáforo manualmente. “Tem muito roubo de cabo na nossa área. Tem muito 'nóia' por aqui”, diz, referindo-se aos usuários de crack do centro da cidade, que roubam o que podem para comprar droga.

5h20 – Há várias mulheres no pátio da base, mas nenhuma delas sai de motocicleta – só nas viaturas da CET. “É complicado (agentes femininas em moto)”, diz Nilton. “Ainda bem”, acrescenta um outro marronzinho, que ouve a conversa.

5h30 – O pátio, antes cheio de motos e viaturas, está vazio. Nilton avisa que, entre as suas obrigações da manhã, está a “Operação Escola”, na porta da Faap, em Higienópolis. “Trouxe até dois talões de multa”, avisa.

5h45 – A moto de Nilton corta o centro da cidade, ainda adormecido. Camelôs estão instalando suas barracas na Avenida Senador Queiroz.

5h50 – Na esquina de Ipiranga com Avenida Rio Branco, perto da famosa “Cracolândia”, Nilton diz: “essa região é triste. Roubam muito cabo aqui”.

5h55 – Depois de passar pela Praça da República, e arrumar alguns cones fora do lugar, Nilton segue em direção à Barra Funda. Está tudo muito calmo. “Por enquanto”, diz.

6h – Pausa para um café numa padaria na Rua das Palmeiras, ao lado do Minhocão. Nilton explica que, ao longo de sua jornada de trabalho de seis horas e quarenta minutos, tem direito a duas pausas de 20 minutos.


6h20 – Como se já soubesse o que vai acontecer a seguir, antes de subir na moto, Nilton tira o talão de multas do bolso lateral da calça e o ajeita junto ao guidão, para ficar mais fácil de pegar.

6h25 – Um giro pelas ruas da Barra Funda à procura de caminhões que tentam burlar as restrições de trânsito neste horário circulando em ruas de menos movimento.

6h30 – Na Alameda Barão de Limeira, em frente a um supermercado, um caminhão enorme desembarca mercadorias. Está totalmente irregular. Pelo seu tamanho, só poderia circular entre 9h da noite e 5h da manhã. O motorista abre os braços, aponta para o supermercado, e lamenta: “eles só recebem a partir das 6h”. Nilton retruca: “o supermercado foi avisado”.

6h35 – O assistente do motorista ainda tenta argumentar. “Estamos carregando produtos perecíveis”, mas os rolos de papel higiênico que saem da caçamba não enganam o marronzinho. “Eu sei que é proibido. O Pão de Açúcar já recebe de noite, mas esse supermercado não”, diz o motorista, rendido à multa.

6h45 – Na Alameda Glete, embaixo do Minhocão, Nilton vê passar um outro caminhão em situação irregular. Quando consegue cruzar a avenida, já perdeu o veículo de vista. “Eles somem, mas algum colega meu vai pegar ele mais pra frente”,espera.

6h50 – Avenida Pacaembu. O trânsito já não flui com a mesma facilidade de uma hora atrás.

7h – Nilton estaciona a moto em frente à Faap. Oficialmente, está começando o horário de rodízio – nesta quara-feira, não podem circular, até as 10h, veículos com placas de finais 5 e 6. “Dou uma tolerância de dez minutos. Começo a fiscalizar às 7h10”, explica.

7h05 – Do anedotário do marronzinho: Nilton conta que, um dia, multou uma mulher cujo carro estava estacionado embaixo de uma placa que indicava ser proibido parar no local. Era uma daquelas placas em que o “E”, de estacionamento, é cortado por dois traços diagonais, um “X”, indicando que é proibido estacionar ali em qualquer horário e situação. “O senhor é burro”, disse a motorista. “Não vê que esta placa está inutilizada”, argumentou, tentando convencê-lo que não entendeu a mensagem da placa.

7h10 – Nilton troca o capacete pelo boné e se coloca na porta da escola. Ajuda estudantes a atravessarem a rua em frente à faculdade e começa a observar a placa dos veículos que passam. Não demora 15 segundos até um Citroen C3 dar o azar de ser flagrado por Nilton.



7h20 – O trânsito em frente ao colégio é intenso. Ouvem-se as primeiras buzinadas de motoristas impacientes.

7h33 – Acaba o talão de multas de Nilton. Ele vai até a moto, em busca de um novo.

7h35 – Um motorista que vê Nilton anotando uma multa para ao lado do marronzinho e pergunta se está sendo multado. Não era com ele, mas Nilton aproveita para ironizar a situação: “você está fazendo algo errado?”, pergunta o agente.

7h45 – Enquanto Nilton anota uma multa, outros carros em situação irregular passam sem ser vistos pelo marronzinho. “Nem dá tempo”. E se a caneta falhar? “Eu tenho uma reserva”, mostra Nilton, tirando do bolso outro instrumento de trabalho.

8h – Missão cumprida na Operação Escola. Nilton acende um cigarro, enquanto retira os cones que colocou em frente à Faap para facilitar o desembarque de estudantes. Em seguida, faz um balanço das multas aplicadas até o momento. São 13 veículos autuados por desrespeito ao rodízio e dois caminhões, por trafegarem fora do horário de restrição.

8h10 – Pergunto a Nilton se ele não sente pena de multar tantos carros. “Às vezes, dá pena. Mas, na maioria das vezes, o sujeito está de má fé mesmo, sabe que não pode circular e joga na sorte”. Outra pergunta: vocês gostam de ser chamados de marronzinho? “Não”, diz Milton. “Queremos ser chamados como agentes de trânsito. Já pedimos pra chefia e pra assessoria de imprensa. Também não gosto quando sou chamado de guarda. Não sou guarda”.

8h20 – Na rua Tupi, uma via estreita de mão dupla, é proibido estacionar em toda a extensão de um lado. Placas novas, brilhando, reiteram a proibição. Vários carros estão parados no local. Nilton se aproxima com a moto. Se vê um motorista dentro do veículo, aciona o alarme da moto e põe o carro para andar. Se o veículo está vazio, o marronzinho saca o talão de multas. Uma cópia do auto de infração é deixada, se possível, no vidro traseiro. “Para quem estiver passando ver”, explica.




8h30 – Nilton se aproxima de um carro estacionado em local proibido. No interior do veículo, o motorista dorme. Está aguardando a hora de sair e fazer um serviço em um prédio na rua. O agente pede para o carro deixar o local proibido.

8h35 – Na esquina das ruas Tupi e Veiga Filho, a luz vermelha de um sinal de trânsito está queimada. Como o segundo semáforo está funcionando normalmente, Nilton apenas anota o problema para informar a base.

9h – Rua Vitorino Camilo. Vários carros estacionados em local proibido. Nilton saca o talão e, de repente, de dentro de um bar, começam a aparecer motoristas, correndo. Todos, menos um, entram em seus carros e deixam o estacionamento proibido.

9h15 – Na Alameda Glete, esquina com Barão de Campinas, Nilton constata outro sinal queimado. “Já tinha avisado antes, mas não vieram consertar”.

9h20 – Pausa para o segundo café da jornada. Nilton conta que já teve a oportunidade de fazer um outro trabalho na CET, mas dentro do escritório. Ganharia um pouco mais. “Não gosto de cargo interno. Gosto da rua. Aqui, tudo acontece. E o tempo passa rápido”.

9h30 – O marronzinho especula sobre as razões do caos em São Paulo. “Há muita facilidade para comprar carros e não houve investimento nas vias. É simples. Falta muita coisa para melhorar. Como eles (os candidatos a prefeito) vão fazer, a gente não sabe. Mas que precisa, precisa”.

9h35 – Por mensagem de texto para o seu telefone, Nilton é informado de um grave acidente na Avenida Rubem Berta. O código informa que se trata de um motociclista.

9h40 – Um cliente da padaria se aproxima de Nilton e diz, apontando para o talão de multas do marronzinho: “Queria matar o cara que inventou esse bloquinho”. Nilton ri. E desabafa: “Só a repressão não vai melhorar o trânsito. Do jeito que está, vai complicar. É preciso investir na educação do motorista. Isso é primordial”.

10h – Acaba a restrição a caminhões pequenos, com placas de final ímpar. “O trânsito vai piorar”, prevê.

10h10 – Nilton estaciona a moto à frente de uma oficina mecânica na Barra Funda. Dois mecânicos consertam um veículo cujas rodas da frente estão em cima da calçada. Dentro da oficina, há espaço de sobre, mas pouca luz. O marronzinho pede para o carro ser colocado para dentro, e é obedecido. “O meu trabalho é de educação, não de repressão”, acredita.

10h20 – “Se eu fosse anotar tudo que eu vejo na rua, um talão não ia dar”, suspira.

10h30 – Nilton nos conduz à Central de Operações da CET na rua Bela Cintra, na região de Santa Cecília. Em uma grande sala, repleta de computadores e monitores de vídeo, técnicos monitoram o trânsito na cidade. Neste momento11% dos 840 quilômetros de vias monitoradas estão com trânsito lento. A cidade começa a voltar à rotina depois que, no início da manhã, um caminhão perdeu uma roda, na Avenida dos Bandeirantes, causando congestionamento em cascata, até a Marginal do Tietê.

10h45 – Nilton se prepara para voltar à base, onde fará um relatório de suas atividades e deixará o seu talão de multas. Foram 16 multas ao longo da jornada. Pergunto se ele acha que o seu trabalho ajuda a melhorar o trânsito. Ele responde que “sim”. Observo que muitos motoristas que ele advertiu ao longo do dia devem ter voltado a parar em local proibido assim que ele deu as costas. “Eu enxugo gelo. É um trabalho sem fim”, reconhece Nilton.

Sala de Operações
Sala de Operações da CET na Bela Cintra, região central de SP


(Fonte: Último Segundo - site IG por Mauricio Stycer)

Reportagem publicada em 15/08/09

Não me lembro da divulgação desta reportagem por parte da empresa, então está aí.

Um Abraço!!

Fábio – GET 4




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